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O edifício Embaixador é uma exemplar do movimento Art Decò no bairro da Aclimação e marca a primeira fase da verticalização do bairro nos anos 40 e 50.

Piso da entrada do Edifício Embaixador pela Rua Safira, no bairro da Aclimação. Fotografia: Refúgios Urbanos.

Sobre o estilo Art Decò

O termo art déco é de origem francesa – em francês “arts décoratifs”. Foi um movimento artístico que teve expressão nas artes plásticas, artes aplicadas e arquitetura entre a primeira e a segunda guerras. A Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas realizada em Paris em 1925 marca a trajetória deste estilo. Os motivos do estilo art déco se expandiram rapidamente pela Europa , Estados Unidos e América do Sul e este é considerado o movimento estético mais do século XX influente em todo o Ocidente.

O art déco explora as linhas e padrões geométricos de modo estilizado e hierarquizado como princípio de design dos objetos e na arquitetura como princípio de organização dos espaços, das superfícies e fachadas e nos elementos integrados à arquitetura e na ornamentação.

1 – Rádio do ano de 1931 fabricado pela General Electric Company. Acervo do Victoria & Albert Museum. (1)

2 – Etapa da construção da estátua do Cristo Redentor – cabeça do escultor francês Paul LandowskiMaximilien. Coleção Sebastião Lacerda / Acervo Instituto Moreira Salles.

Cerca de 1930. (2)

3 – Broche ‘Snail’, 1925 – 1930. Ouro branco, prata, resina preta e pérolas. Raymond Templier (1891-1968), artista joalheiro francês.(3)

Edifício Saldanha Marinho, construído entre 1929 e 1933 no Centro de São Paulo. Projeto do arquiteto Elisário Bahiana.

O estilo Art Decò na arquitetura de São Paulo

Em São Paulo o Art Déco é encontrado em edifícios residenciais, institucionais e comerciais. Na Vila Mariana o Instituto Biológico é um exemplo de Art Déco, no Centro de São Paulo temos o exemplo do Edifício Saldanha Marinho. O Estádio do Pacaembú, um ícone da cidade, também é um exemplo do Art Decò.

Na arquitetura residencial de São Paulo encontramos poucos exemplares do Art Decò e o bairro da Aclimação abriga um curioso edifício residencial que pode ser reconhecido como de influência Art Déco: edifício Embaixador, na Rua Safira, que data da década de 40.

Instituto Biológico, construído em 1928.
Arquiteto Mário Whately. Fotografia do
Acervo do Museu Paulista.

Edifício Embaixador. Década de 30-40. Bairro da Aclimação. (4)

A primeira fase de verticalização e o edifício Embaixador

O edifício Embaixador marca um momento do bairro da Aclimação relacionado ao que vou denominar de “primeira fase de verticalização do bairro da Aclimação” entre os anos 40 e primeira metade dos anos 50, a qual produziu interessantes exemplares que podem ser objeto de outros artigos.

Um dos obstáculos que encontrei para dar voz à esse edifício – sempre penso que meu trabalho como educadora é fazer a arquitetura se comunicar com todos – se estabelece pela dificuldade de encontrar pesquisas sobre o Art Decò na cidade de São Paulo somado à perturbadora ausência de uma política de inventário arquitetônico para os bairros da cidade.

Edifício Embaixador. Década de 30-40. Bairro da Aclimação.(5)

No Embaixador podemos observar a valorização das linhas geométricas do Art Decò na hierarquia das formas e das aberturas, na organização da simetria horizontal e vertical e na centralização da entrada de acesso no embasamento do pavimento térreo que acontecem na fachada principal da Rua Safira.

O que torna este projeto interessante é a proposição de outra fachada – que não é propriamente a fachada lateral da Avenida Aclimação, tampouco a fachada de fundo do lote. Trata-se de uma fachada que aproveita a diagonal do prisma edificado e oferece uma varanda arredondada com vista em direção ao Parque da Aclimação.

Deste modo, o Embaixador apresenta outra fachada “principal” além da fachada oficial da Rua Safira, com desenho totalmente diferente da fachada oficial, rompendo com o que se pode denominar de hierarquia de fachadas na composição dos edifícios.

1 – Edifício Embaixador. Vista da esquina da Avenida da Aclimação com a Rua Safira. Fachada da Rua Safira, simetria e linhas e volumes geométricos do Art Decò.(6)

2 -Edifício Embaixador. Fachada da Avenida Aclimação e as varandas arredondadas em direação ao Parque da Aclimação, na lateral do prisma construído. (7)

3 – Recorte da base Ortofoto 2004 da plataforma Geosampa/PMSP. (8)

Na prática, com a solução arquitetônica proposta, o Edifício Embaixador se tornou uma síntese de dois edifícios, integrados e conciliados em um único volume. Trata-se de uma condição excepcional proporcionada tanto pelo aproveitamento que o projeto de arquitetura faz da situação do lote e das possibilidades de implantação como da capacidade de gerar desenhos de fachadas de interesse volumétrico e de qualidade estética que são diferentes entre si mas que se encontram totalmente harmonizados.

Me pergunto: quem foi esse arquiteto e a construtora do Embaixador? Quem são os arquitetos, engenheiros e construtores que deixaram essa e outras obras de valor ambiental e arquitetônico no bairro da Aclimação? O fato é que as fontes sobre a história e a arquitetura do bairro da Aclimação ainda não foram propriamente exploradas por pesquisadores e muitas destas questões ainda estão sem respostas.

Origem e transformações do bairro da Aclimação

Antiga portaria do Parque da Aclimação. Primeiras décadas do século XX. Sem fonte e sem data.(9)

O bairro se desenvolveu a partir do que é hoje o Parque da Aclimação – o qual foi o primeiro zoológico de São Paulo: o “Jardim Zoológico da Aclimação” – uma iniciativa privada do médico Carlos Botelho que se inspirou no “Jardin d’Acclimatation” da cidade de Paris, onde viveu.

No ano de 1880 esse médico, de volta à São Paulo, fundou o Jardim da Aclimação dois anos depois, com a aquisição de um antigo sítio. Desta forma, Botelho deu início ao empreendimento de lazer com a criação de uma granja leiteria, a organização dos espaço da área verde em forma de bosques, o desenvolvimento do lago a partir de uma nascente e a criação de um parque de diversões e do primeiro zoológico da cidade.  

Elefantes no antigo zoológico da Aclimação. Sem fonte e sem data. (11)

O Parque foi um sucesso e era um lazer popular na São Paulo da Belle Époque. Nas décadas seguintes os herdeiros de Botelho encontraram dificuldades em administrar o empreendimento e passaram a vender e lotear as terras no entorno do parque, dando origem ao bairro da Aclimação. O iminente loteamento da área do parque levou o Prefeito Prestes Maia a propor sua desapropriação no ano de 1939, tornando a área um bem público da cidade. (10)

O bairro até hoje apresenta um perfil predominantemente residencial. Sua principal via de tráfego, a Avenida Aclimação, apresentava uma arquitetura formada por casarões em estilo chalé e em estilo neocolonial e nas ruas adjacentes ao parque ainda se encontram muitas residências bem conservadas. Nesta avenida, o que temos hoje são alguns remanescentes preservados e outros bastante descaracterizados. Grande parte das antigas residências em estilo chalé na Aclimação, tipologia que também é encontrada em outros bairros da cidade no final do século XIX e início do XX, foram demolidas.

Hoje, os poucos exemplares bem conservados contrastam com a vulgar arquitetura contemporânea, o que aumenta a sensação de perda de qualidade arquitetônica e de memória cultural e o sentido de decadência cultural geral. Essa arquitetura e a memória perdidas são resultado de um processo e de um conjunto de fatores que degradaram e continuam a desfavorecer o que era um bairro de valor ambiental e arquitetônico equivalente ao bairro do Jardim Europa, ainda que com menos fausto e opulência.

Típico chalé do entorno do Parque da Aclimação, um digno sobrevivente em uma sociedade hostil ao passado e pouco capaz de conciliar novas necessidades com a pré existência. (12)

A segunda fase de verticalização

A partir da década de 50 e 60 o bairro passou pela transformação mais intensa de uso do solo. O Condomínio Parque da Aclimação (CPA) é um marco arquitetônico desta fase e um exemplar de grande qualidade de arquitetura e de construção no bairro.

O CPA, construído entre 1953 e 1958, marca a segunda fase da verticalização do bairro. Construído no terreno do antigo palacete da família Kowarick, O CPA dialoga urbanística e arquitetonicamente com alguns projetos modernos desenvolvidos no bairro de Higienópolis na mesma época e é um modelo de uma verticalização de qualidade para toda a cidade. (13)

1 – Material de marketing do empreendimento (14)
2 – Fachada do edifício Topázio, com floreiras. Fotografia de Marcio Veronese (15)

A terceira fase de verticalização ou “uma senhora sem qualidades”…

Verticalização com edifícios de alto padrão na Rua Júpiter, bairro da Aclimação. (16)

Nos anos 80 e 90 o bairro passou por uma nova mudança de perfil da população e pela brutal descaracterização arquitetônica e paisagística de sua principal avenida, a Avenida da Aclimação.

Nestas décadas a terceira fase da verticalização deu origem à inúmeros edifícios de alto padrão caracterizados por uma arquitetura contemporânea de qualidade e gostos duvidosos.

É claro que as transformações de perfil e de uso da cidade são parte da dinâmica social e econômica da vida, entretanto, nada justifica a decadência e empobrecimento arquitetônico e urbanístico da cidade em geral e do singular território da Aclimação em particular, que hoje tem muitos de seus remanescentes arquitetônicos nas principais vias do bairro descaracterizados por reformas e intervenções de baixa qualidade – tanto nas soluções técnicas de arquitetura como nos materiais de acabamento – o que parece ser um problema crônico em qualquer cidade no Brasil.

A ignorância do valor estético e ambiental da arquitetura do século XIX e do início do XX pela população em geral e pelos moradores dos bairros em particular, a rejeição à arquitetura do final do XIX e início do XX que perdurou por décadas nos órgãos públicos de Preservação – associadas à hostil relação com o passado que caracteriza nossa cidade – poderiam explicar o empobrecimento do acervo arquitetônico da singular Aclimação.

Sem dúvida a Aclimação e sua arquitetura de valor histórico e ambiental merecem mais estudos, identificação e pesquisa pelos historiadores da arquitetura e da cidade de São Paulo. Não podemos continuar com esse vazio de fontes e conhecimento para a cidade.

Referências

(1) https://collections.vam.ac.uk/item/O371993/gec-model-bc3235-radio-general-electric-company/

(2) https://brasilianafotografica.bn.gov.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/9865

(3) https://nasvete.com/french-jewelry-designer-raymond-templier/

(4) Fotografia: Raquel Nery. @raquel__nery

(5) google maps

(6) google maps

(7) google maps

(8) https://geosampa.prefeitura.sp.gov.br. SMUL / Prefeitura Municipal de São Paulo.

(9) google images

(10) O Parque da Aclimação foi tombado pelo CONDEPHAAT na Resolução de Tombamento: Resolução 41, de 02/10/1986 na gestão do arquiteto Paulo Bastos à frente do Conselho e pelo CONPRESP – Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo na Resolução de tombamento: Resolução 05, de 05/04/1991.

(11) google images

(12) google maps

(13) VERONESE, Marcio. Herbert Duschenes e o Condomínio Parque Aclimação. Um dos primeiros exemplares de arquitetura moderna no Bairro da Aclimação. Minha Cidade, São Paulo, ano 21, n. 247.01, Vitruvius, fev. 2021 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/21.247/8030>.

(14) Idem.

(15)Odem, ibidem.

(16) google maps


 

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Raquel Nery

Raquel Nery

Edifício Embaixador – uma beleza Art Decò em São Paulo

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Sobre o Autor

Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela FAU Mackenzie (2001) e mestrado em Arquitetura e Urbanismo com ênfase em Preservação do Patrimônio Cultural pela FAU USP (2012). É Professora convidada no Curso de Especialização em Gestão e Restauro da UERJ, Campus Petrópolis. Foi professora na especialização em Gestão e Restauro da Universidade Estácio de Sá. É arquiteta e urbanista do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) desde o ano de 2008, tendo atuado nas cidades de Natividade (Tocantins), Rio de Janeiro e São Paulo. Foi parte do time de assessores da Vice Presidência da Empresa Municipal de Urbanização de São Paulo, atual SP Urbanismo entre os anos de 2002 e 2004 para a aprovação de empréstimo internacional para a reabilitação do centro de São Paulo (BR0391 - Downtown São Paulo Rehabilitation Procentro, 2003) junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). No IPHAN São Paulo criou, formulou e implementou o planejamento estratégico e participativo para a preservação de monumentos tombados, uma linha de ação com participação da sociedade civil e de pessoas físicas e jurídicas impactadas pelo tombamento para o desenvolvimento de planos de preservação de médio prazo. O trabalho é inédito e experimental e está em desenvolvimento para quatro monumentos de complexa integração institucional e econômica na região da grande São Paulo. Tem experiência em docência na graduação e na pós graduação. Como voluntária, colabora com a Associação dos Proprietários de Imóveis Tombados de São Paulo levando para a Associação as causas de preservação dos bens tombados no estado de São Paulo na busca por medidas técnicas e jurídicas para protegê-lo.

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